Há mar e mar, há ir e não voltar, porra!
estapafurdiosdoquotidiano, 23.09.14
Ontem, por volta da hora da hora de almoço, a capital foi invadida por uma inesperada fortíssima tromba de água. Tromba de água essa, que originou um dilúvio catastrófico na zona da baixa lisboeta. Rapidamente surgiram vídeos amadores, demonstrando o caos que se instalou em algumas ruas perto da Avenida da Liberdade – uma das mais carismáticas avenidas de Lisboa. Num desses vídeos, vê-se uma senhora que, numa tentativa falhada de escapar ao dilúvio, cai completamente desamparada no chão, sendo imediatamente arrastada por uma corrente de água da chuva em fúria que foi desaguar sabe-se lá onde.
Pois muito bem, aqui a malta do Estapafúrdios do Quotidiano possui uma data de conhecimentos do catano e através de um primo de um tio que tem uma avó que é irmã de uma sobrinha de um pai de um filho que, curiosamente, é um grande amigo nosso e que tem uma namorada que é filha dessa tal senhora que andou a praticar a descida de um rio selvagem sem kayak em plena capital lisboeta, conseguimos chegar à fala com a senhora. A azarenta senhora chama-se Maria Vai-com-Todos, e explicou-nos o que sentiu naqueles instantes em que foi arrastada pelas águas da chuva…
RIC: Porra, ó senhora, aquilo é que foi um susto danado, hein?!
Maria: Susto é favor! Eu ia morrendo ali!
RIC: Ehhhhhhhh, também não é necessário exagerar… Vá, foi apenas arrastada pelas águas… Também não foi nada assim de especial…
Maria: Ai não? Ai não foi nada de especial?… Então eu gostaria de o ver a si, ó chico-esperto d´um raio, a passar pela mesma situação que eu passei. Gostaria de o ver ali, estendido no meio da água, a ser arrastado pela água sem conseguir parar, e sem que ninguém o fosse ajudar. Eu gostaria de ver isso, gostaria…
RIC: Oh, vá… convenhamos que eu nunca seria arrastado daquela forma… Até, porque, vamos lá a ver: eu sou um homem… Ao passo que você não passa de uma senhora já com alguma idade e peso a mais, que não possui o mesmo tipo de elasticidade de um rapaz noviço como é o meu caso…
Maria: Pois, pois… Esta geração de jovens é a pior de todas as gerações! Se fosse na minha altura, tenho a certeza que um jovem se tinha imediatamente atirado para dentro de água, para tentar salvar-me!
RIC: Sim, sim… Mas vá, o que importa é que, no final de contas, está aqui vivinha da silva, para contar a história.
Maria: Oh, filho… E que história… Que história…
RIC: Ai, sim? Então e conte lá: como foi que correu a descida de kayak – sem kayak – pelas ruas lisboetas?
Maria: Foi a melhor aventura da minha vida!
RIC: Ai, sim? Gostou de ser arrastada alguns metros até à Avenida da Liberdade?
Maria: Alguns metros? Ah Ah Ah! Isso não teria sido uma aventura, mas sim um curto passeio. Eu vivi a verdadeira aventura! Uma aventura que nunca mais irei ter a oportunidade de viver na vida…
RIC: Ai, sim? Ena, pá… Então e como foi essa aventura? Perdeu a placa no meio do dilúvio e foi uma aventura para a recuperar, foi isso? Ah Ah Ah!
Maria: Você é um jovem demasiado parvo com uns pózinhos de estupidez a fervilhar por todo o corpo, mas eu vou contar-lhe a aventura que vivi! Como sabe, eu fui arrastada pelas chuvas. Fiz de tudo para tentar agarrar-me a qualquer coisa, mas todas as tentativas resultaram em insucesso. Fui indo, indo, indo… e quando dei por mim, estava na Praça do Comércio. Gritei por socorro, tentei agarrar-me à estátua do gajo que está lá com um cavalo…
RIC: …está a referir-se à estátua de D. José I?
Maria: Ah, esse é o nome do cavalo?
RIC: Não… Bom, esqueça… Continue, por favor.
Maria: Ah, sim. Bom, onde é que eu ia?… Ah, já sei. Tentei agarrar-me à estátua, mas não consegui e dei por mim a entrar no Rio Tejo, através do Cais das Colunas. Como eu não sei nadar, dei por mim a lutar para não me afogar. Mas não consegui e acabei por deixar-me ir até ao fundo… Mas!… depois veio uma sereia que me apanhou e levou para uma gruta linda que fica por baixo de um dos pilares da Ponte 25 de Abril. Uma vez lá chegada, constatei que se tratava de uma tasca, onde vários marinheiros bebiam cerveja e cantavam às suas conquistas. Depois, um desses piratas levou-me até ao seu barco, e fomos até à Praia do Meco. Lá, ele vestiu-me uma capa negra e atirou-me ao mar. Tentei lutar contra as ondas, mas como eu não sei nadar, voltei a desistir e a ir ao fundo… mas voltei a ser salva pela mesma sereia que me deu um beijinho, um par de barbatanas e um queijo fresco. Disse-me que as barbatanas eram para eu nadar de volta até Lisboa mais rapidamente, e que o queijo fresco era para eu dar ao Guardião do Cais das Colunas, que é um minotauro muito maldisposto, mas que era facilmente amaciado se eu lhe desse um queijo fresco. Foi o que tentei fazer, mas entretanto o pirata interceptou-me a meio do caminho e se não fosse um carapau militar que ia a passar ali por mera coincidência, e que assustou o raça do pirata, e eu tinha ido desta para melhor… Depois, o carapau levou-me a um baile, onde algumas sardinhas dançaram comigo o resto do dia até ser noite…
RIC: Ah… Até tenho medo de perguntar isto, mas então e depois?…
Maria: Depois? Depois só me lembro de acordar no meio da Avenida da Liberdade, completamente encharcada da cabeça aos pés, sem saber como é que fui ali parar. Ah, e tinha uma dor de cabeça enorme e dois enormes inchaços na testa. Não sei como é que os fiz, mas desconfio que, ou foi obra do pirata, ou do raio das sardinhas que me pareciam já ter bebido mais do que a conta… Das duas, uma…
RIC: Eu sei bem como é que fez esses inchaços…
Maria: Ai, sim? E como foi?…
RIC: AO BATER COM OS CORNOS NA CALÇADA VÁRIAS VEZES, Ó VELHA MALUCA D´UM RAIO!
Maria: Ena, que tamanha agressividade… Você é alguma coisa ao pirata que me fez a vida negra? É, não é?! Se é, diga a ele que eu gostei muito do beijo e do apalpão que ele me deu quando me vestiu a capa negra na Praia do Meco. Olha, faça mais: entregue-lhe este papelinho com o meu número de telemóvel, e diga-lhe que estou disponível sexta-feira à noite…
RIC: Oh, cum caralh…
Fiquem com um vídeo do dilúvio de ontem:
RIC